terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Das Luadas, lembro-me das duas tabernas




Das Luadas, lembro-me das duas tabernas de um tempo remoto. A da "Poça", do Sr. Adelino e a do Sr. Cruz ao fundo do povo onde ía com o meu pai aos domingos buscar mercearias e bacalhau. O açúcar amarelo em bolas empedernidas, o arroz, a massa e o café de cevada retirados das "tulhas" a garnel com um púcado afunilado com uma pega. Tudo meticulosamente pesado na balança de pratos e metido em cartuchos de papel pardo que o merceeiro dobrava nas pontas. Do cheiro a vinho que ensebava o balcão de madeira e aquecia por dentro os que o bebiam ao copo em rodadas intermináveis. Mas também dos sugos e dos rebuçados de tostão que me alegravam os olhos e me adoçavam a boca. Da tia Albertina que eu visitava de vez em quando e das suas gargalhadas quase infantis, indiferentes à miséria que a rodeava. Do lume da fogueira que a aquecia e do cheiro do caldo das couves aferventadas. Num dia de festa chamou-nos a todos e fez arroz de fressura e tapioca que comemos nos pratos de barro pintados com flores e "gatos" nas costas a segurarem as rachaduras. Garfos de ferro com cabos de osso e copos de vidro grosso desermanados. Mais tarde, quando já podia ir sozinha fazer um recado, levava um papel na mão e o Sr. Eduardo largava por um pouco as colheres de pau e aviava-me do que lá estava escrito. O pior eram os dois cães nervosos que me esperavam e escoltavam em tormenta alguns metros, ladrando-me às pernas e fazendo-me acelerar o coração apavorado, à chegada e à saída da povoação. Fora isso, eram mansos... Quase sempre, à porta, o Zé Pereira de mãos nos bolsos e o Carlitos que por ali cresceu. Mais adiante, na janela, o pai da Paula a olhar o horizonte que não se mexia, dia após dia de meses e anos infinitos. Por ali envelheceu, prisioneiro da mesma janela e esquecido de si mesmo, enquanto observava entretido, a vida que lhe fugiu. Já pouco ou nada resta do quanto que me lembro. Pudera... primeiro nem árvores nem nada. Depois, as árvores eram tão pequenas ainda amparadas a estacas e hoje já tão frondosas...!

 Cleo

Sem comentários:

Enviar um comentário