terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Já naquele tempo



Já naquele tempo, a maior parte das quelhadas estava ao abandono. Eram enormes silveiras, por entre as quais, um caminhozito difícil de se passar, visto que as silvas sempre a agarrarem-se às mangas e às pernas, com ganas de nos devorar. Mas não havia outro caminho e, portanto, era por lá que se tinha de passar para chegar às outras quelhadas da "despresos", lá muito mais acima. E também da poça grande, a cimeira de todas e com a água da qual se regavam os feijões, as batatas, a erva e o milho que por lá ainda se cultivava.. Ficava lá mesmo ao cabo, num sombrio de arvoredos que se espelhavam na água sempre que a poça estava cheia. Eu costumava empoleirar-me no bordo desta, que me parecia enorme visto que eu uma criança pequena e, não descansava enquanto não a percorresse em toda a volta em emocionantes e inconscientes desafios perigosos. Havia rãs de vários tamanhos a saltitar daqui para ali, desaparecendo na água, porque umas bolhazitas a flutuar de vez em quando... O Manel era um homem que costumava andar por ali todos os dias. Um criado de servir de uma família das Luadas. Para além das fainas agrícolas, ocupava-se do gado, que às vezes deitava à tardinha, para que pudessem encher a barriga e não ser preciso ir ceifar o molho da erva para lhes dar à ceia. Não dizia grande coisa por causa de ser mudo, mas os mais que por lá andavam, já o entendiam entre gestos guinchos e urros. A minha irmã, que era mais nova do que eu alguns anos, tinha medo dele... Coitado, uma pobre alma que não fazia mal a ninguém! Certa ocasião, ía ela a subir por entre as quelhadas e, quase a chegar ao pé do curral da Ti Albertina, nisto, aparece-lhe o Manel de repente, por detrás do curral a "falar" como ele sabia. A desgraçada da miúda assustou-se e desatou a correr por ali abaixo, saltando os muros onde corrimões de videiras e tudo, só parando ao cimo do abismo, onde, lá em baixo, o poço do qual se costumava regar o chão grande. E este, cheio! A minha mãe, quando se lembrava desta história e a contava de novo, costumava dizer sempre: " foi Deus que lhe deitou a mão".

 Cleo

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