quinta-feira, 9 de maio de 2019

Ainda o sol não tinha rompido ao cimo do Colcurinho


Ainda o sol não tinha rompido ao cimo do Colcurinho, já se ouviam passos na rua e falaças de quem não tinha preguiça de se levantar e deixar o quente da cama para quando voltasse a ser de noite. A prima Rosa e o Ti Serafim, que nem televisão tinham, eram o exemplo de quem seguia à risca o velho ditado: "deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer".
Não é que tenham crescido assim tanto, visto que os achava de tamanho normal. Quanto à saúde, pareciam-me de ferro por aquele tempo. Se não, era ver o Vale  quase todo deles e todo ele cultivado ainda! Até lá ao fundo, mesmo por cima das fazendas dos da Benfeita. Por vezes, ía com a minha mãe quando esta a dar-lhes uma ajuda pela apanha do milho, ou então a arrancar umas batatas e a carregá-las nas cestas à cabeça, por aqueles carreiros enladeirados acima. Mas antes ainda havia que atravessar um pedaço cheio de urtigas que nos picavam nas pernas, ali junto a uma das poças.
Mas a voz que eu agora ouvia na rua, mesmo por baixo da minha janela ainda de estores fechados, era da prima Zézinha da Capela. Mulher forte e madrugadora, que não temia o trabalho. Há muito que se havia levantado e já lá vinha do mato, com uma serra à cabeça...
Os seus molhos de mato eram sempre os maiores de todos! De todos os outros que as outras mulheres costumavam trazer.
E lá estava ela a dizer "Bom dia" a alguém, por debaixo do molho, sem poder mexer a cabeça visto o peso a condicionar-lhe os movimentos. Apenas os olhos e os lábios a mexerem-se. Conversa curta porque o "até logo" a rematar e os passos a afastarem-se rua abaixo.

Cleo

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