quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Cresci no campo


Cresci no campo, nunca o escondi de ninguém. Levantei-me com o sol e deitei-me com as estrelas. Trabalhei como gente grande ao lado dos grandes, quando ainda de uma criança não passava. Usei toda a minha força, mas a minha força era afinal tão pouca que quase me levava ao desespero pelo cansaço que de mim se apoderava. Dias intermináveis de trabalhos que nunca chegavam ao fim por via de acudir ao trabalho dos outros, que, por aquelas alturas e atroco de qualquer coisa, me ía bater à porta sem que o pudesse recusar. Esbeirar para a prima Laurinda, acarretar as bandeiras do milho do primo Américo, as batatas da Silvéria ou ajudar na apanha do feijão do primo Jaime, só para dar um pequeno exemplo. Tudo coisas que se não recusavam por conta das obrigações devidas... uma boleia para o médico de Côja, um litro de mel oferecido, uma ajuda na assenta do milho. Tudo se pagava com o troco do trabalho, com esforço e não raras as vezes, com lágrimas também. Ainda há tempos um conhecido me dizia - "Tinha tanta pena de ti, que tu nem sabes... via-te quase sempre debaixo dos molhos e até me chegava a sentir mal por estar ali de férias, cheio de força e nada poder fazer por ti!" - Nesse tempo escondia-me dos veraneantes nem sei bem porquê. Talvez por vergonha, sei lá... mas hoje penso: vergonha de quê? Essa agora, era o que mais faltava!!

 Cleo

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