segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A minha mãe, grávida da minha irmã


A minha mãe, grávida da minha irmã já quase no fim do tempo, com um sarrão de milho às costas e eu logo atrás de si como se fosse a sua sombra, na minha ainda tão tenra e míope existência, dado que, o meu mundo com manchas disformes e sem nitidez. Mas ninguém ainda a ter-se dado conta, porque os óculos grossos no meu nariz só lá para os cinco anos e tal de idade e a fazerem bastante diferença desde logo visto que os meus pés lá muito ao longe, poisados num chão esquisito e cheio de pormenores de pedrinhas e outras coisas que eu nunca tinha visto àquela distância... A ribeira que fazia trabalhar o moinho, a mais de uma hora e meia de caminho pelo meio dos matos e do pinhal, lá para os lados dos castanheiros do Carcavão. Por fim, já cansadas e de pernas a doer, lá chegávamos ao nosso destino. Aquilo era uma espécie de um casinhoto de pedra, meio engolido já pelas silvas, onde uma mó a fazer barulho numa azáfama incansável de andar à roda, a transformar os grãos que se entornavam na moega, numa chuva branca de farinha, graças ao ensurdecedor caudal da água que nos impedia de ouvir fosse o que fosse para além da dança das pedras a roçarem uma na outra. Era um dos moinhos do Carcavão, pertença de muitos mas com ordenada organização e serventia. Cada um na sua vez, portanto! Daí por um bom pedaço, quando já nenhum grão por moer, voltava-se a encher o sarrão com a farinha, varria-se tudo em volta bem varrido e era hora de nos metermos de novo ao caminho, pois que o sol já se tinha escondido naquele barroco e sem lua à vista, em breve seria noite cerrada! No dia seguinte, haveria de se cozer a broa e para a merenda, haveria quase de certeza, uma esmagada de sardinha ou de chouriça, daquelas de nos fazer crescer água na boca, visto que um petisco daqueles era sempre um renovado motivo de alegria.

Cleo

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