sábado, 4 de abril de 2020

Não precisava de muito


Não precisava de muito para se sentir feliz. Bastava-lhe o casebre que possuía, onde, à noite, acendia o lume da fogueira e se aquecia enquanto fazia o caldo das couves e mais tarde ao serão do borralho enquanto deitasse algum calor. Uma cama de ferro da qual já se tinha lascado a maior parte da tinta, que não se percebia de que cor teria sido. Com dois ou três cobertores de algodão comprados com o dinheiro da lã das ovelhas (se não chegassem, uma camada de jornais a compôr a falta), completava o parco conforto, que, para ela, era mais que suficiente visto não conhecer outro. E ali estendia os ossos doridos por culpa do peso dos anos, em busca do merecido descanso ao corpo cansado. De tempos a tempos, recebia a visita de uma sobrinha-neta, que, além da broa ainda morna da fornada da semana, lhe trazia também um brilho de alegria que logo se lhe via nos olhos de cor cinza, inundando-os de água salgada enquanto sorriam radiosos. Por vezes também cantava. Não era que fosse para não chorar a solidão dos dias, mas para se sentir só um pouco mais acompanhada na imensidão do tempo pelo qual a vida se lhe alongava.

Cleo

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