quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019
O preto da roupa que lhe compunha os ossos
O preto da roupa que lhe compunha os ossos era o mesmo que lhe ofuscava a luz radiosa que provinha do profundo céu azul-cinza espelhado no olhar. A viuvez havia-a condenado ao negro perpétuo, onde fora ré sem direito à negação de uma culpa que não era sua. De vez em quando, metia a mão ao bolso do avental e um quadradinho de pano branco a enxugar-lhe as pálpebras rasas de água, que se diluía em esperanças cristalinas de eternos ontens... Apesar do sal que se despenhava das cataratas dos seus olhos e que a impediam de enxergar a nitidez das coisas, nenhum soluço. Ás vezes, à tardinha, ouvia-a cantarolar a saudade das cantigas de outros tempos, que a sua fiel companheira muda, solidão, escutava com a maior das atenções ao mesmo tempo que lhe acariciava a pele fina e enrugada das mãos nuas. Anoitecia janeiros e debulhava agostos, com a mesma alegria que lhe conhecia de sempre. Por vezes, quando fecho os olhos, ainda a encontro curvada sobre a dobra do lençol da cama onde vivia, a remendar qualquer coisa, mesmo aquilo que já havia sido remendado vezes sem conta, até que as tremuras...
Cleo
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Sublime espada a da saudade que nos pica magoa mas não nos mata!
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