segunda-feira, 11 de março de 2019
Tenho fome dos sorrisos de sol
Tenho fome dos sorrisos de sol a iluminarem-me a brancura da pele. E da preguiça do vento, a agitar a folhagem ao lusco-fusco de um fim de Junho quente qualquer, embalando os afazeres esvoaçantes dos pássaros antes do recolher. Das falaças e gargalhadas das gentes, que, de ferramentas ao ombro, e cestas à cabeça com coisas lá dentro e ainda um cestito pequeno pendurado pelo aro no braço, enchiam os caminhos por entre pinhais e veredas a cheirarem a erva fresca. Da embriagante lânguidez do entardecer, espraiando-se sob os campos de trigo doirado, quase maduro. Dos dias cálidos a prometerem sinfonias de grilos de cigarras, de ralos e de rãs, noites adentro... Tenho saudades do bailado ondulante das magníficas e belas borboletas da Primavera da minha infância, beijando todas as flores. Tenho ainda saudades, do verde fluorscente dos luzicus por entre as pedras e ervas na parede do meu quintal. Dos lírios que enfeitavam o jardim abandonado, em frente à casa alta da prima Augusta, na mesma rua onde também morava a minha avó e, em cujo telhado baixinho e de lajes quentes, me sentava junto dela e me demorava a ouvir as suas histórias de encantar, que me contava por entre costuras de dedal e agulhas difíceis de enfiar. Lembro-me das dálias rubras sem canteiro, nascidas da terra, junto ao corrimão das videiras ao cimo do quintal. Das tangerinas que salpicavam o chão em volta da tangerineira. Metade dentro e a outra metade caidas na estrada... E das outras que colhíamos com a escada da azeitona, para dentro dum cesto. Dos abrunhos de frança a pingarem de mel visto que abelhas gulosas a poisarem-lhes em cima. Tenho saudades da bilha de barro onde se guardava a água fresca que nos matava a sede quando longe das nascentes. Mas também dos refrescos de groselha que se faziam para as mulheres à merenda, quando estas apareciam para nos ajudar a arrancar as batatas e um calor que não se podia...! E saudades ainda, dos enfeites para a festa que se fizeram naquele ano longínquo - que retornaria após anos de ausência - à sombra da hora da sesta, junto à casa da prima Lucinda - a grande entusiasta da sua feitura - e que depois se guardavam na sua loja até ao dia de enfeitar as ruas. Centenas de metros de bandeirinhas coladas em fio de chouriças e ainda alguns candeeiros mais elaborados que haveriam de pender do tecto do largo da capela, onde a festa e o bailarico até de madrugada. E, claro, de todas as outras festas que se lhe seguiram, porque os primeiros foguetes morteiros a anunciarem a alvorada, para que as outras terras vizinhas soubessem!... E, portanto, a música da aparelhagem a tocar logo de manhã e o cheirinho da carne fresca a inundar as ruas onde casas com muitas pessoas a falarem, a entrarem e a saírem... Da missa e da procissão com a banda a tocar nas suas cornetas e as pandeiretas a marcarem o passo. Acabada a procissão ainda se leiloavam as ofertas e só depois o almoço farto, onde, em cada casa mais um ou dois lugares à mesa para os da filarmónica, visto ainda terem de tocar umas modas da parte da tarde e a fraqueza a tomar conta do corpo derivado ao avanço da hora... À noite, a animação das falaças e dos risos, do largo cheio de gente à espera do conjunto que haveria de animar o arraial. Tenho saudades disto tudo e não serei só eu!...
Cleo
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
-
Das Luadas, lembro-me das duas tabernas de um tempo remoto. A da "Poça", do Sr. Adelino e a do Sr. Cruz ao fundo do povo onde...
-
Das tantas histórias que me contava nas longas tardes que passavamos as duas, enquanto me penteava e fazia tranças, lembro-me particularm...
Sem comentários:
Enviar um comentário