sexta-feira, 25 de outubro de 2019
Tivera em si
Tivera em si todos os sonhos do mundo. Porém, o mundo que era o seu, não era assim tão grande como a sua inocência o julgara. De modo que, à medida que ia crescendo e cada vez mais sequiosa de mundo, os que de si decidiam a negarem-lhe um lugar na dignidade e também nos retratos onde nunca aparecia ao pé dos irmãos... Portanto, dos ardentes e macios desejos que a pudessem ter assaltado, pouco ou nada colheu. Talvez cardos e repelões! E culpas... E solidões... E dias imensos... E noites de breu, intermináveis... E tudo à mistura. Os anos a amontoarem-se! Envelheceu e definhou sem conhecer o mundo que a ingenuidade lhe prometera na flor da idade. Penosas e frustrantes injustiças estas, que a vida prega.
Quando viva, costumava andar sempre por ali. Primeiro, ainda a caminhar direita apesar da grossura dos óculos a impedi-la de ver o mundo a longa distância. Um molhito de caruma à cabeça que atirava para o chão à porta do curral onde três ovelhas ruminavam a erva do almoço. Outro molhito de lenha para a fogueira e um saco de pinhas compunham as obrigações que lhe cabiam. Depois, o resto da tarde passava-o de conversa com quem calhasse que por ali aparecesse. Outras vezes, quando não aparecia ninguém, subia a rua até ao oiteiro e ía sentar-se no muro onde acabava sempre por chegar alguém e sentar-se também. E convesas e risos e estórias do "dantes" e novas deste e daquele. Das dores e das idas ao médico. Da ida à feira por via de comprar o cebolo... Da missa por alma de quem os lá tinha, dos afazeres imediatos e das festas quando as havia. Tudo servia para deitar à fogueira da conversa. Quando a fome a dar sinal ou o dia a escurecer, o "até amanhã" do costume e ela a apalpar o chão com os pés cuidadosos, dado que os olhos míopes, e antes que os sapatos de plástico pretos escorregassem e a deitassem ao chão, porque nesse tempo, a calçada de penedos lisos ainda.
Cleo
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