Tal como em tantas outras terras, o Verão a trazer-nos os que vinham de Lisboa e por ali faziam morada por algumas semanas em gozo de férias. Traziam os automóveis cheios de malas e sacos que descarregavam em delírio, numa animação de prisioneiros libertados. As mulheres a tratarem logo das humidades e das rendilhadas teias de aranha que ornamentavam cantos de paredes. Caliças caídas com vassouras enérgicas, arredando móveis e abrindo janelas por causa das poeiras. De maneira que, de pó limpo e chão esfregado e encerado, a parecer logo outra coisa!
A prima Lucinda a trazer também as netas e a Paula e dali a nada o lavadouro cheio de animadas conversas e risadas que eu ouvia do oiteiro, anunciando-me quem tinha chegado.
Da Peneda, chegava-me o recado para lá dar um salto no fim do almoço, que a prima Fernanda tinha mandado dizer. E, claro, findo o almoço lá estava eu a bater-lhe à porta com um cestito de batatas e umas cebolas mais um raminho de salsa que a minha mãe lhe mandava. E ela a dizer - a tua mãe é fantástica, até o miminho da salsa!... - e eu a concordar num aceno de cabeça. E depois de um sem número de perguntas e respostas e umas gargalhadas bem dadas numa euforia de quem enche uma casa de alegria, eu a voltar com uma sacada de roupa e calçado que ela nos tinha trazido e aquilo para nós a ter o mesmo valor como se fosse acabadinho de comprar numa boutique ou na feira de Arganil, que, para mim, era a mesma coisa. Tudo como se fosse novo!
Os rapazes, ávidos de liberdade, a fazerem corridas de bicicletas até ao largo da capela e a voltarem na boleia do balanço, de pedais e de músculos pelo íngreme da ladeira, num só fôlego.
No oiteiro, o rádio do primo Fernando em cantorias infernais de cassetes piratas e a prima Lurdes a ter de falar mais alto para os dela a ouvirem por via de não interromper o Roberto Leal. E nisto o primo Fernando em dificuldades de calos, a vir cumprimentar-nos sem se importar com a cassete que lá ficou aos berros dentro do aparelho.
E o corrupio de gente a querer telefonar em virtude dos telemóveis ainda por inventar. Ali a conviverem na brevidade de uns instantes, que, sem se aperceberem, a valerem por uma vida cheia de vazios...
Cleo
Foto - Dois amigos de infância nas suas bicicletas, ao oiteiro, onde ainda se vê a torre do relógio que era fei
ta em xisto e que foi entretanto deitada abaixo por questões de segurança, Na nossa aldeia - Pai das Donas (Arganil)
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