De vez em quando, alguém a chegar com uma carta na mão e a falta de um selo. De maneira que, a solicitarem a compra do mesmo para quando chegasse o Ti Alberto carteiro, ali a seguir ao almoço, para a recolha habitual na caixa de correio presa por dois pregos grossos à parede da nossa casa do lado de fora.
De modo que, o meu pai a largar o que estivesse a fazer naquele instante, que, tanto podia ser pousar a plaina com que estivesse a alisar alguma tábua presa ao torno do banco de trabalho onde se debruçava a cada investida de força na plaina, para cá e para lá numa faina de aparas enroladas que ele de vez em quando tirava com os dedos porque a prenderem-se junto à cunha da lâmina. E deixava que caíssem no chão empurrando-as com os pés para o monte em volta da máquina, onde já um espesso manto de serradura e aparas a denunciarem o intenso trabalho de horas intermináveis e bastante esforço de alguns serões obrigados pelos compromissos... Uma cómoda para os Pardieiros, uma cristaleira para a Benfeita, uma mesa elástica para o Enxudro...
Ou, se se desse o caso de estar a trabalhar com ela, desligar a máquina de serrar barulhenta onde um disco a rodar infernalmente, a queixar-se da dureza da madeira de cada vez que o meu pai ali a chegar-lhe um pedaço riscado a lápis, por onde o disco a passar e a dividi-la ao meio.
De maneira que ele a largar tudo isso para ir à gaveta do móvel que fez para substituir a secretária que tivera de vender ao senhor dos Cepos que costumava lá ir contar a luz e a quem ardera a casa e o que lá havia dentro, num incêndio medonho ocorrido por aqueles anos. Um selo ou dois até ao valor que era preciso e a carta a ir pela ranhura da caixa encarnada e o meu pai a guardar as moedas na gaveta e a fechá-la à chave outra vez e a voltar ao trabalho até vir outra pessoa qualquer com outra carta por selar ou um qualquer telefonema importante ou não, porque o telefone ali também ao lado e público. Um contador de impulsos instalado junto ao interruptor da luz fluorscente do tecto da oficina a deitar números a espaços de tempo e no fim a ter de se fazerem contas de multiplicar, a maior parte das vezes a fazê-las de cabeça perante a minha admiração porque a sentir-me incapaz...
Cleo
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