quinta-feira, 16 de março de 2023


Chamados ao quadro, em dia de revista semanal, um a um, lá iam cada qual na sua vez (a tremer de medo), de cabeça tombada e olhos no chão. A vistoria fazia-se com um prego comprido e grosso (chamavam-lhe um prego de solho) a vasculhar por entre as guedelhas, à cata dos piolhos, que, por vezes, se não achavam mas que se adivinhavam porque as lêndeas a luzirem agarradas aos fios de cabelo. Com sorte voltava para o lugar sem mais humilhações mas quase sempre sem sorte nenhuma(os mesmos de sempre, claro) e a terem de se sentar ainda, na borda do estrado, mesmo à frente de todos, a desatarem os atacadores das botas de todos os dias porque a não terem outras e as meias se as tivessem, porque os pés a serem igualmente inspecionados e, no caso de estarem sujos, a terem de esticar as mãos para a aplicação de umas quantas réguadas por isso... E eu a sentir-me incomodada porque a conhecer as misérias da razão de alguns e a professora não.
No fim, um recado para casa a ordenar a cabeça rapada no dia a seguir ou não entrariam na escola. E, claro, mais a recomendação dos pés lavados sob pena de uma nova e punitiva humilhação à frente dos colegas, bem diferente daquela outra a que outros afortunados ali chamados, igualmente ao quadro, mas por causa do engano das contas redondas e dos problemas bicudos.


 

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