Por alturas da Páscoa para além das coisitas do costume que se traziam da mercearia do Ti Adelino ali à "poça" ou da de lá da rua do fundo, a do Ti Cruz, uma massita, um cartuxozito com duzentas e cinquenta gramas de café de cevada mais outro igual de açúcar amarelo(embolaricado), uma ou duas caixitas de fósforos para acender o lume, meio litro de petróleo para prevenir o candeeiro porque a electricidade a não se aguentar em noites de tempestade e, por vezes, a parecer inverno e a gente já na Páscoa, vinha ainda uma barra de sabão amarelo porque a não tardar nada e a ser Domingo de Páscoa. E, como é sabido, no Domingo de Páscoa a ter de se abrir a porta ao padre e a toda aquela comitiva que se fazia anunciar com uma sineta. E esta a tocar cada vez mais perto à medida que iam entrando e saindo das casas e se iam aproximando da nossa, em virtude da cruz do Senhor a carecer de ser beijada por toda a gente, bem como as casas a necessitarem de serem benzidas visto que todas naquele dia num brinco...
Para além, é claro, da oferta do folar ao padre em cima da toalhita de renda na mesa, ao pé da jarrinha de crisântemos e hortenses, porque assim tudo a parecer tão bem!
De modo que, uma nota de cem(ou seria de quinhentos?) dentro de um pires, um queijito de ovelha (que era de imediato arrecadado no cesto trazido para o efeito) e, uns quantos cálices junto da garrafa de vidro trabalhado e com tampa igualmente de vidro, que continha aguardente no interior ou que também poderia ser licor de ginja, que se consumiam na hora acabando com um "Ah!..." de satisfação no fim.
Portanto, antes disto tudo ainda era preciso lavar a casa como devia ser e daí o sabão amarelo a ser tão precioso, porque mais nada a deixar o soalho amarelinho como ele.
O sobrado de tábuas corridas, no caso de estar encerado, a ter de se esfregar todo primeiro com o esfregão de arame grosso e só depois a passar-lhe o pano encharcado e a seguir o sabão, a ensaboar em círculos com a escova de piassaba e a força dos braços e outra vez o pano encharcado a fazer desaparecer o sujo e a deixar um cheirinho a lavado por toda a casa. Quartos, sala, corredor e escadas. Tudo de joelhos no chão como que a cumprir uma penitência. Depois era só voltar a espalhar cera daquela que vinha em pacotes cor de laranja, esperar que secasse para lhe dar o lustro e, tudo outra vez numa penitência de joelhos doridos... Mas, em certos casos em que não havia qualquer torneira em casa, ainda a ser preciso ir buscar a água primeiro, em bilhas de barro ou cântaras de zinco, que, mais tarde, já eram só cântaros azuis de plástico, muito mais leves de trazer à cabeça empoleirados nas rodilhas das mulheres.
Cleo
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