quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A aldeia quase deserta era



A aldeia quase deserta era agora o lar de todos os dias de quem por ali vivia o ano inteiro. Para os velhos, os dias iam passando devagar, sem pressas, a condizer com a eternidade do tempo que agora um estranho, de comportamento maníaco, visto que se não cansava de verter melancolia nos olhares meio vagos e sorumbáticos daqueles que por pouco mais poderem fazer, se entretinham a desfiar ao sol as lembranças de outros tempos idos. Tempos de vitórias e de derrotas como o são todos os tempos e nas histórias de cada um. Mas acima de tudo, também foram tempos de áureas glórias, bem vividas e cuidadosamente guardadas nas memórias dos que as não esqueceram. Entre tantas coisas, recordavam com veemência e muita saudade, a força que lhes movia o corpo ágil da juventude e que em nada os impedia de galgar os muros dos desafios de então. Agora, derrotados por esse mesmo inelutável e fatal tempo, estendem como podem os cansados e velhos ossos, sobre as pedras caladas da eira onde antes estenderam o cereal e o malharam sob o sol de verões prósperos que lhes traziam a felicidade de um instante, repetido vezes sem conta por uma vida inteira, entretanto reduzida a meras lembranças que cabiam num punhado de palavras com as quais enchiam o que lhes sobrava do pouco do tempo que ainda tinham. À noite, de roda da lareira, contavam histórias verdadeiras entremeadas de fábulas antigas, aos netos, que, por ser natal os visitavam... Os pequenos, deslumbrados, nem pestanejavam por via de não perderem pitada alguma.

Cleo

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